Várias pessoas nos têm perguntado no que consistiria a “sacralização da ordem temporal” a que se refere nosso post “Como é o nosso dia a dia?” Achei um tema tão primordial para nosso fim apostólico, que tentarei explicá-lo em poucas linhas e esclarecer a dúvida dos leitores.
Com frequência observamos nas igrejas pessoas fervorosas que têm acentuada devoção ao Santíssimo Sacramento, são devotas do Santo Rosário em cuja recitação encontram gosto e que, nessas circunstâncias, acabam estabelecendo uma relação de intimidade com Deus que as leva a solidificarem-se na fé e desejarem progredir nas virtudes. Só que, ao sair à rua e retornar aos seus afazeres diários, encontram ambiente oposto àquele que viveram na igreja nos poucos minutos que aí estiveram.
Claro, a tecnologia tão avançada e a mídia convidam incessantemente à intemperança das paixões, notadamente da sensualidade, à pressa, ao voltar-se para si e colocar-se no centro das atenções. Além disso, o consumismo desenfreado as atrai para o deleite inteiramente materialista das maravilhas da criação. E a mentalidade igualitária dominante no mundo as impede de ver nos superiores e nos inferiores imagens de Deus. Essa é a realidade da qual ninguém escapa em nossos dias.
Como agir então para que as graças recebidas nos momentos de recolhimento e oração frutifiquem e respondam ao anseio de absoluto que todo homem tem?
Aqui se revela uma problemática mais profunda: não deveria a ordem temporal apoiar os movimentos da graça, a voz do sobrenatural? Se o espírito vale mais do que a matéria perecível, esse deve ter a primazia não apenas na vida de cada indivíduo, mas em todo o corpo social. Portanto, as instituições sociais, as artes, a cultura, a política e até a economia, ou seja, toda a ordem temporal deve favorecer as aspirações espirituais da alma humana.
Ora, como realizar a profunda mudança que essa situação exige? Primeiramente com o auxílio imprescindível da graça, sem o qual não há atividade humana que leve o homem ao seu fim último. Mas, da parte de cada indivíduo também é possível fazer alguma coisa, por exemplo, na intimidade do lar. A busca da ordem e harmonia entre os membros da família já é um meio de sacralizar o relacionamento humano. Esse relacionamento todo feito de serenidade e paz vai refletir-se no ambiente, que tenderá, ele mesmo, para a ordem, para a limpeza. Os objetos que compõem a casa, em muitos casos oriundos da moda do prático, do simples, do despojado, quando não do declaradamente feio e… descartável, aos poucos acabarão substituídos por aqueles que estejam mais de acordo com o espírito sacral, com o que remete a Deus. E, depois de algum tempo, com alguma razão se poderá dizer que o lar se encontra dentro de paredes sacrossantas, porque a sacralização se faz através do belo, do bom e do verdadeiro, atributos divinos.
Trata-se, então, de procurar novamente a beleza, o pulchrum, cuja mais perfeita expressão é a sublimidade. Como ensina Mons. João S. Clá Dias: “Esse amor ao sublime, a tudo quanto é belo, grandioso, elevado e maravilhoso, deve estar presente desde a ação mais sagrada sobre a terra, que é a Liturgia, até aos atos cotidianos mais simples.”[1]
A consideração do universo natural e sobrenatural pode servir de alavanca para essa elevação de espírito necessária ao homem contemporâneo. Mas sobretudo a prática da virtude, o afervoramento na oração e o discernimento dos meios adequados de apostolado por parte das pessoas que têm alguma responsabilidade na orientação dos católicos, secundarão a sempre presente ação do Espírito Santo nas almas.
E de alguma forma, mesmo que em ponto minúsculo, poderemos ver novamente o reflexo de Deus sobre o mundo, que redundará a médio ou a longo prazo – sempre sob os auspícios da graça divina e se o homem corresponder a essas inspirações – numa civilização sacralizada.
[1] Beleza e Sublimidade, clave teológica da nova evangelização. Mons. João Scognamiglio Clá Dias, in Lumen Veritatis, n. 10, janeiro a março de 2010.