Neste período da Semana Santa, tão propício ao recolhimento e à meditação, alegramo-nos em compartilhar com os leitores breves reflexões sobre um dos múltiplos elementos da liturgia do tempo. Certamente, mil outros poderíamos eleger para nos aprofundar, mas aquele que, no momento, nos move a escrever é o Precônio Pascal, especialmente quando a ele assistimos nas igrejas, onde as cerimônias do Tríduo Santo são desenvolvidas unindo o Céu à Terra, a tradição ao futuro, e nas quais a riqueza dos simbolismos ganha especial realce porque se reveste da solenidade, perfeição e beleza que devem caracterizar a Semana Santa.
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A inesgotável fonte de piedade e aprofundamento espiritual que é a vida de nosso Redentor é apresentada pela Santa Igreja ao fiel durante estes dias, através das austeras, sérias e pungentes considerações sobre a Paixão, Morte e Ressurreição do Filho de Deus. Após meditar sobre os tormentos inenarráveis sofridos por Jesus, a final consumação do sacrifício redentor na Cruz e o sepultamento do Corpo Sagrado, que, no dizer de Bossuet, foram as “pompas fúnebres do Filho de Deus”, seguem-se as jubilosas celebrações da vitória sobre a morte e o pecado.
Esse áureo período é iniciado pela Liturgia da Luz ou lucernário, começo da Vigília, formada de quatro partes: bênção do fogo, bênção do círio, procissão e pregão pascal.
O Praeconium Paschale, – que significa proclamação pascal e é também conhecido como Pregão Pascal, ou ainda Exultet – é um dos antiquíssimos elementos da liturgia da Páscoa. Vem dos primórdios da Igreja – século II ou, talvez, século I – até nossos dias como um eco fervoroso e confirmador de esperanças na vitória definitiva da Luz sobre as trevas. Ele combina alguns elementos como o cerimonial, em que o diácono está revestido de uma dalmática branca; do canto, que é um recitativo construído sobre uma base salmódica do III tom gregoriano, e do texto.
Essa fabulosa recitação é executada no ambiente solene criado pela meia luz produzida pelas velas que todos os fiéis diligentemente mantêm acesas depois de a terem recebido do Círio Pascal, pois que ela significa que são eles “filhos da Luz”, e pelo Círio colocado ao lado do diácono, representação de Cristo Ressuscitado, cuja chama tremula ansiosa para finalmente impor a claridade e fazer fugir as trevas. E com o Prof. Plinio Corrêa de Oliveira, bem poderíamos dizer: “Que longa espera até a luz bruxuleante do Círio atingir a sua plenitude! Ficamos com vontade de perguntar ao Círio: “Tu prenuncias a vitória, mas não te cansas de prenunciá-la? Quando chega essa vitória que tu profetizas, ó Círio venerável? Tu pareces retardar o que anuncias, quando deverias apressá-lo!” Até que, afinal, a explosão de luzes e cânticos anuncia a Ressurreição”.[1]
A envolvente solenidade com que se espera o anúncio da Ressureição é preparada pelo Precônio Pascal. Na história desse elemento litúrgico, há costumes curiosos. Por exemplo, na Itália, usava-se escrever o texto do Exultet em longas tiras de pergaminho que o cantor ia desenrolando enquanto cantava. O reverso das tiras era ilustrado com figuras que se referiam aos episódios lembrados na melodia, a fim de que o povo as presenciasse e assim se tornasse mais fácil a compreensão.
O riquíssimo texto é introduzido por uma conclamação a todos – coros angélicos, homens, a terra agora livre das trevas, a Santa Igreja revestida de brilhante luz e todo o povo reunido nela – a unir-se ao diácono para completar o louvor ao Círio Pascal, símbolo de Cristo Ressuscitado.
Depois de um diálogo introdutório entre o povo e Deus, segue-se uma longa ação de graças, relembrando as maravilhas operadas pelo Senhor a seu Povo Eleito, desde a Antiga até a Nova Aliança. Em seguida, se oferece e se pede a bênção de Deus Pai sobre o Círio, mencionando o trabalho das abelhas, a cera, que significa a pureza da Virgem, na qual tomou carne humana o Filho de Deus. Finalmente o Exultet pede a Deus para que se mantenham ardendo os corações dos fiéis até a vinda da Stella Matutina, Jesus Cristo.
Nessas sublimes cerimônias, carregadas de simbolismos, a alma parece sair de si mesma para alçar-se até Deus. Alguns dos elementos que as constituem não serão inteiramente explicitados pelos fieis no momento em que são apresentados, mas vão constituir um fundo de alma sobre o qual as graças trabalharão, acendendo ali novas luzes de doutrina, novos desejos de santidade, novas dedicações apostólicas.
Podem passar anos, mas a voz sonora, varonil e sacral que ouvimos no cântico do Precônio ficará em nossa memória, sempre reacendendo os santos anseios que a graça tinha em vista despertar.
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Assim, leitor, leitora, amigos, na admiração de um dos tesouros da Santa Igreja, estejamos unidos. Só nós? Não! Congreguemos em torno deste santo convívio o maior número possível de almas, para que a Luz derrote definitivamente as trevas, a esperança brilhe com todo seu fulgor e que na Terra se estabeleça, o quanto antes, o Reino de Cristo, o Reino de Maria!
Com esses sentimentos de júbilo, desejamos-lhes uma santa, esperançosa e feliz Páscoa da Ressurreição!
[1] CORREA DE OLIVEIRA, Plinio. Revista Dr. Plinio. Nº216. p.4.