É muito conhecida a singela lenda de um monge que, tendo abandonado o mosteiro para recolher lenha na floresta, foi atraído por um maravilhoso passarinho, cujo canto o seduziu. Seguindo a avezinha, foi-se internando cada vez mais na floresta e, quando quis retornar, verificou que tudo havia mudado ao seu redor: seu machado enferrujara, haviam lavrado campos à beira do bosque, o austero e pobre edifício do mosteiro havia sido substituído por uma construção imponente… O que se passara? Haviam transcorrido quatrocentos anos, que para ele tinham parecido apenas poucos minutos.

Essa história cheia de encanto veio-me à mente naquela manhã, quando tive que me desincumbir de uma tarefa de jardinagem, corriqueira, junto às Irmãs de Regina Virginum, em Monte Carmelo. Estavam em pleno Congresso de formação das jovens vocações e cheguei bem no momento em que se iniciava um teatro. Como parei curiosamente à porta do auditório, convidaram-me a entrar. Sentei-me ao fundo, próxima à porta e, posso jurar, saí deste vale de lágrimas… Não me perguntem como, porque não sei explicar, mas “flutuei” durante quinze minutos, que pareceram a eternidade…

Representava-se uma cena de Eva, circundada por Anjos, no Paraíso terrestre. O cenário era formado por árvores carregadas de flores e frutos. Os seres angélicos apresentavam-se vestidos “a la Fra Angelico”, cheios de veneração e afabilidade para com a mãe dos homens, sob um fundo musical suavíssimo, com músicas executadas por harpa, flautas, violinos… Com vozes semelhantes à do passarinho que atraiu o monge, os Anjos cantavam e explicavam a Eva o significado peculiar de cada árvore, de cada fruto, de cada flor: raridade, unicidade, fertilidade… E, ao mesmo tempo, lhe propunham questões teológicas, cuja resposta Eva tirava de sua alma inocente e íntegra, estabelecendo assim um sublime diálogo com os guardiães do Céu. Assim se representava bem o papel dos espíritos angélicos junto ao homem, atraindo-o para Deus.
A certa altura, uma leve aragem soprava no cenário e os Anjos imediatamente se ajoelhavam, braços cruzados sobre o peito, inclinando a cabeça em sinal de adoração. Era Deus que, à brisa da tarde, vinha conversar com Adão. Esse singular privilégio de nosso primeiro pai levou Eva a refletir sobre o companheiro a que fora destinada. E os Anjos, aproveitando o sopro da graça, encaminhavam-na para compreender melhor a Criação e o seu Divino Artífice, bem como o papel dela ao lado de seu esposo. Perguntaram a ela: “No que pensais ao contemplar todas essas maravilhas?” “Penso na luz, no despontar da luz, que é algo parecido com o Céu, lugar de maravilhas que Deus criou para premiar os Anjos e os homens.”
Assim, de proche em proche, Eva ia elevando suas cogitações e, inspirada por seus celestiais companheiros, compreendeu que, se a natureza representa tão belamente a Deus, mais ainda o representa a alma humana. E veio-lhe à mente o seu Adão, reflexo da luz, toda feita de grandeza, de majestade, mas ao mesmo tempo envolvente, caridosa, querendo fazer o bem. E, num gáudio todo feito de admiração por seu companheiro e conformidade à vontade do Criador, entoou uma delicadíssima canção, cuja letra exaltava Adão como sendo uma “aurora eterna”, um “sol que nunca se pôs e nunca se porá”. E, por fim, remetendo-se ao diálogo que naqueles instantes Deus travava com o pai da humanidade, dizia: “Eu me uno a ele, e os nossos corações se enchem de gratidão!”
Nesse instante, uma forte luz incide sobre Eva. Um dos Anjos descreve, então, a alma de nossa primeira mãe: inocente, admirativa, submissa, amante do bem e da beleza. E completava: “Assim é a alma inteiramente fiel à vontade de Deus.”

Confesso que jamais imaginei que, naquele dia, em meio à labuta de sempre, eu seria contemplada com cenas tão bonitas, pensamentos tão elevados, tão diferentes daqueles com que somos frequentemente infectadas nesses nossos tempos caóticos. Tive orgulho de descender de tão nobres pais! E compreendi como deve ser o relacionamento entre “os filhos de Adão”, dentro da família e na sociedade retamente edificada: a mulher, cuja missão vemos plasmada na alma feminina de Eva, humilde, cheia de bondade, de admiração, de submissão. E o homem, “matriz para uma ordem humana ideal”[1], nascido com o dom de sabedoria infusa, forte de corpo e de alma, misericordioso, amante do bom, do belo e do verdadeiro, enlevado pelas qualidades de que Deus dotara sua companheira e que o completam.
Enquanto o programa prosseguia com uma palestra em que se explicitavam todas essas ideias, aplicando-as a situações concretas, levantei-me lentamente e, do auditório, dirigi-me à capela. Ajoelhei-me diante do sacrário; certificando-me de que ninguém me via, inclinei-me e cruzei os braços sobre o peito, como tinha feito um dos Anjos em sinal de adoração. Eu estava ali com Deus, com “Aquele que veio resgatar a humanidade, tirá-la das sombras da morte e restabelecê-la no estado de graça, através da imolação que Ele fez de Si mesmo no alto da Cruz.”[2] Adorei-O. Ali, no tabernáculo, estava o Deus e Homem, portanto, o filho de Adão! O novo Adão! Subindo os olhos para o retábulo de pedra, vi a imagem de Maria Santíssima iluminada, e compreendi: Ela é a nova Eva, a Mãe da mãe de todos os homens, perfeita, sem mácula; e dela sou filha! Gratidão!
[1] https://www.arautos.org/virgem-maria/o-paraiso-do-novo-adao-259206
[2] https://www.arautos.org/virgem-maria/o-paraiso-do-novo-adao-259206

